maio 20, 2016

Dia 22 de maio (domingo) é o Dia do Autor Português
Aqui ficam excertos de alguns dos nossos autores. Os livros estão, como sempre, à sua espera, na Biblioteca Escolar!






O que é que um Douradinho tem a ver com Os Lusíadas? O Capitão Iglo é um sex symbol?
Capitão Iglo
     O Douradinho foi uma das grandes invenções da década de 80. (…) O Douradinho estava para o peixe normal como as adaptações em banda desenhada de Os Lusíadas estavam para Os Lusíadas originais. Nós preferíamos a adaptação. Tinha bonecos. No caso dos Douradinhos, não tinham bonecos – mas também não tinham espinhas. (…)
    No seu primeiro e famoso anúncio televisivo, o Capitão Iglo passeava-se pelo seu navio, cuja tripulação era totalmente composta por miúdos de várias idades. Hoje olhamos para aquilo e vemos trabalho infantil – raça do velho lobo do mar! – mas, na altura, olhávamos com inveja para aqueles moços, felizes e orgulhosos de passarem à esfregona o chão que o Capitão Iglo pisava. (…)
    Em tempos mais recentes, o Capitão Iglo mudou – ficou mais jovem, de cabelo preto, perdeu a barba, ganhou ar de sex symbol e deixou de ser um capitão de navio old school para dirigir uma embarcação ali a pender para Ficção Científica. Isto entristece-me – o Capitão Iglo quer-se velhinho, contador de histórias e inofensivo. Este novo Capitão Iglo de certeza que não hesita em deixar de vigiar os miúdos para engatar mulheres, e isso é imperdoável.
Nuno Markl. Caderneta de Cromos Contra-Ataca. Carnaxide: Editora Objetiva, 2011.





Espelho meu, espelho meu: há alguém mais… feio do que eu? Como diz o povo, santa ignorância…
O espelho único
MÃE DE MARIA: Se não era fogo, porque me acordaste?
MARIA: Porque o meu marido é um velhaco, um biltre, um falsário, um arrenegado.
MÃE DE MARIA: E acordas-me tu só por isso?
MARIA (chora): Anda a trair-me com outra.
MÃE DE MARIA: Ai anda? Grande traste. E quem é a pécora?
MARIA (choramingando): Está ali. (Aponta para o embrulho)
MÃE DE MARIA: Ali? Onde?
MARIA: O retrato dela. Calcule, mãe, que o Narciso teve o descaramento de trazer o retrato dela para casa. (Chora mais)
Mãe de Maria acolhe a filha nos braços e conforta-a.
MARIA (chorando): Só queria que mãe visse a feiosa que ela é, toda mal pronta e esguedelhada. Uma indecência de mulher.
MÃE DE MARIA (consolando-a): Deixa estar, filha, que eu vou ver e, se for como tu dizes, a gente dá uma desanda no teu marido, ai uma desanda…
A Mãe de Maria vai pegar no espelho.
MÃE DE MARIA (fixando o espelho, aterrorizada): Ai que velha avantesma!

António Torrado. Era uma Vez Quatro. Lisboa: Caminho, 2007.




Sabem por que razão o nosso prémio Nobel da Literatura tem o apelido «Saramago»? E conhecem algum caso de um filho que tenha dado o nome ao pai?

Pequenas Memórias

    Contei noutro lugar como e porquê me chamo Saramago. Que esse Saramago não era um apelido do lado paterno, mas sim a alcunha por que a família era conhecida na aldeia. Que indo o meu pai a declarar no registo Civil da Golegã o nascimento do seu segundo filho, sucedeu que o funcionário (chamava-se ele Silvino) estava bêbado (por despeito, disso o acusaria sempre meu pai), e que, sob os efeitos do álcool e sem que ninguém se tivesse apercebido da onomástica fraude, decidiu, por sua conta e risco, acrescentar Saramago ao lacónico José de Sousa que me pai pretendia que eu fosse. E que, desta maneira, finalmente, graças a uma intervenção por todas as mostras divina, refiro-me, claro está, a Baco, deus do vinho e daqueles que se excedem a bebê-lo, não precisei de inventar um pseudónimo para, futuro havendo, assinar os meus livros. (…) Mas o pior de tudo foi quando, chamando-se ele unicamente José de Sousa, como ver se podia nos seus papéis, a Lei, severa, desconfiada, quis saber por que bulas tinha ele então um filho cujo nome completo era José de Sousa Saramago. Assim, intimado, e para que tudo ficasse no próprio, no são e no honesto, meu pai não teve outro remédio que proceder a uma nova inscrição do seu nome, passando a chamar-se, ele também, José de Sousa Saramago. Suponho que deverá ter sido este o único caso, na história da humanidade, em que foi o filho a dar o nome ao pai.

José Saramago. As Pequenas Memórias. Lisboa: Caminho, 2006.




O que «cabe» na poesia?
SEGREDO + SORRISO + MANJERICO + LARANJA = AMOR

Tenho um segredo a dizer-te
Que não te posso dizer.
E com isto já t’o disse
Estavas farta de o saber…


Dá-me um sorriso a brincar,
Dá-me uma palavra a rir.
Eu me tenho por feliz
Só de te ver e te ouvir.


Manjerico, manjerico,
Manjerico que te dei –
A tristeza com que fico,
Inda amanhã a terei.


Caiu no chão a laranja
E rolou pelo chão fora.
Vamos apanhá-la juntos,
E o melhor é ser agora.

Fernando Pessoa. Quadras. Lisboa: Assírio & Alvim, 2002.

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